quarta-feira, 11 de abril de 2012

Lembre-se dos Cinco Sentidos!

É muito comum, quando estamos mestrando, descrevermos uma cena, um ambiente, ou uma pessoas usando apenas alguns dos nossos sentidos, geralmente a visão e audição. Geralmente dizemos o quão altas ou baixas as pessoas são, o barulho da água pingando do teto de uma masmorra, a aparência estranha e grotesca dos restos deixados por uma criatura no canto da caverna e o barulho que os aventureiros ouvem de galhos secos quebrando quando bandidos se aproximam do acampamento deles. Mas e os outros sentidos? E o olfato, que pode ajudar a identificar que passagem leva para fora da masmorra contra aquela que leva até as catacumbas? E o paladar, que pode fazer a diferença entre a vida e a morte quando os heróis se sentem corajosos o suficientes para provar as poções do laboratório abandonado? E o tato, que pode transmitir informações sensíveis como calor, frio, umidade e, por que não, a presença de energia mágica?

Sei que não é fácil lembrar de descrever cada cena utilizando todos os sentidos (aliás, nem toda cena precisa de todo esse detalhe), mas, algumas vezes, essa riqueza de detalhamento pode acrescentar muito na história e aumentar bastante a imersão do jogadores na aventura. Pequenos detalhes e sensações podem influenciar bastante as escolhas dos jogadores. Por exemplo, se o grupo estiver perdido em uma floresta escura, envoltos em uma neblina gelada que deixa a pele e os pelos dos aventureiros arrepiados, quando encontram uma bifurcação na trilha que seguiam, o caminho indo para a esquerda trás um vento mais quente com cheiro de tempero de ervas e o caminho da direita parece ter o ar totalmente parado e um cheiro de terra molhada que dá um gostinho azedo na boca dos personagens. Dá para perceber o quão mais rica é essa informação do que simplesmente dizer que há um caminho para os dois lados? Você poe não dizer exatamente o que tem no final de cada trilha, mas com essas informações os jogadores podem tomar um decisão mais embasada e conseguem imaginar uma série de possibilidades.

Sendo assim, vou tentar dar alguns exemplos de como usar cada um dos sentidos para dar mais profundidade ao jogo. O segredo é usá-los todos quando forem úteis e interessantes para a narrativa e o clima da mesa. Se forem usados em excesso pode tornar o jogo um tanto lento e prolixo demais, mas não usá-los nunca significa perder uma ótima oportunidade de deixar o jogo mais envolvente. 

Visão: Esse sem dúvida é o sentido mais usado por nós e no qual mais nós confiamos para fornecer informações para os jogadores. Só que, esse também é o sentido em que os jogadores mais confiam, bem no estilo "só acredito vendo". Ou seja, você pode usar isso contra os jogadores de diversas maneiras. Seja dando sinais de algo que eles não conseguem ver, como cheiro de alguma criatura, barulho de respiração, a sensação de calor de um dragão ou frio dos mortos vivos que se aproximam. Faça com que eles percebam que algo está acontecendo e que seus olhos não podem ajudá-los naquele momento, isso os deixará um tanto excitados. Além disso, como eles confiam tanto na visão, use e abuse de ilusões, disfarces e outras coisas que enganem o olhar, mas que se abordados utilizando-se outros sentidos seriam mais facilmente identificados. Doppelgangers são ótimos adversários nessas horas, assim como belas damas que na verdade querem o mal dos heróis e velhos, sujos e asquerosos ermitões que sabem o segredo para derrotar o inimigo que enfrentam. Lembre-se também de limitar a visão dos jogadores em alguns momentos, com neblina, chuva, neve, fumaça, insetos, vegetação e escuridão. Essas dificuldades, se usadas esporadicamente, sem excessos, acrescentam um ar de realismo e tensão ao jogo.

Audição: Esse é, talvez, o segundo sentido em que mais nos focamos quando narramos um jogo, mas é um que raramente é a preocupação dos jogadores (geralmente eles tentam saber o que conseguem ver, e não o que conseguem ouvir). Ele é um ótimo sentido para dar uma ideia do ambiente em que se encontram. Se estiverem em uma grande cidade, não deixe de descrever o barulho das pessoas conversando, das risadas das crianças correndo umas atrás das outros, dos comerciantes oferecendo seus produtos a todos que passam, dos cavalos passando de um lado para o outro, e todas as outras coisas. E quando estivem em uma floresta, diga o quão mais silenciosa ela é do que a cidade, mesmo com o barulho das folhas das arvores se mexendo com a brisa, do passar das águas do rio ao norte deles, e do cântico dos pássaros acima deles. Deixe claro o contraste de ambientes e situações barulhentas, como o campo de batalha, com lugares silenciosos, o corredor perdido de uma masmorra em que o silêncio é apenas quebrado pela respiração forte de seus companheiros e o ocasional pingar de uma gota de água do teto. Além disso, quando os jogadores forem alvos de alguma poder que os tente influenciar, descreve as vozes que ouvem em sua cabeça como sussurros em seus ouvidos. Outra dica, essa para deixar seus jogadores mais tensos, as vezes, faça com que ouçam barulhos de alguns lugares e quando forem investigar não se nada demais, como um coelho, rato ou outro bicho qualquer (ou simplesmente nada), mas uma vez, não abuse disso, mas use intercalado com situações em que realmente eles encontrem algo significativo ou evitem serem atacados de surpresa.

Olfato: Um ótimo recurso narrativo, mas pouco usado de maneira geral. Para ter uma ideia de como esse sentido pode ser importante é só pensarmos em como animais, como o cachorro, depende tanto dele para tomar suas decisões. O cheiro das coisas pode dizer muito sobre elas. Imagine os aventureiros sendo convidados a entrar na casa de uma bela dama que encontram em seu caminho, mas quando se aproximam dela sentem o cheiro de podridão doce e enjoado exalando da moça, que na verdade é uma bruxo morta-viva. Ou então eles estão procurando a saída da masmorra que entraram há alguns dias quando se deparam com três corredores aparentemente idênticos. Sem saber para onde ir, o cheiro que vem das passagens pode ser um bom indicativo, o frescor do ar fresco pode ser sentido em uma das passagens e o cheiro de fezes e sangue vindo da outra pode indicar um ninho de orcs. Falando em olfato eu sempre lembro da frase dita por Gandalf, "na dúvida, siga o seu nariz". O Olfato pode ser uma ferramenta de ambientação tanto quanto a audição. Quando em masmorras, diga que o local cheira a mofo e coisa velha; quando na floresta descreve que o lugar possui o odor de terra molhada e o cheiro de mata verde; quando nos campos, não deixe de dizer que o odor das flores e da grama invadem o olfato dos aventureiros enquanto caminha por horas e horas. Enfim, cada lugar pode ter um cheiro diferente e característico que o torne único e diferente dos outros.

Paladar: Um sentido quase irmão do olfato, o paladar é sem dúvida um dos mais difíceis de se usar na mesa de jogo. Já reparou que em alguns lugares dependendo do cheiro e do ambiente as vezes você sente um gosto na boca? Pois é, isso pode acontecer com os personagens dos jogadores também. Talvez, quando passarem por um pântano, os aventureiros sitam um gosto azedo e podre em suas bocas. Ou então enquanto estão lutando e o sangue de uma criatura jorra em suas faces, eles sentirão gosto horrível dele. Mas talvez a utilização mais fácil para esse sentido seja na identificação de poções, bebidas e alimentos. Qual o gosto de uma poção de cura? Qual o gosto de uma poção de invisibilidade? Ou de uma cerveja anã? Tente descrevê-la e seja consistente com essas descrições (anote-as).

Tato: O tato é um sentido muito útil para todos os aventureiros. É com ele que consegue atravessar um terreno irregular sem causar um acidente, é com ele que conseguem achar em sua mochila uma tocha quando entram em uma masmorra escura e é com ele que sentem a umidade e a temperatura mudando quase se aproximam de um local onde dragões vivem, por exemplo. Quando o grupo estiver andando em um pântano, descreva como é caminhas por aquele terreno alagado onde suas botas afundam em uma lama macia, úmida e gelada. Quando estiverem andando pelo deserto, descreva como parece que o chão que pisam se desfaz a cada passo e como os grãos de areia agem como uma lixa sobre a parte exposta da pele deles no vento. Na floresta, diga como é andar sobre o chão fofo de dezenas de folhas secas e grama no chão, como o ambiente é mais fresco e as folhas fazem cocegas neles enquanto andam entre as árvores. Descreve texturas diferentes nos objetos que eles tocam, ou sensações estranhas quando encostam em um objeto encantado, talvez uma espada esteja sempre quente ao toque mesmo no mais frio dos invernos, ou talvez um martelo de guerra anão tenha a textura de uma pedra rústica cheia de irregularidades. Enfim, tente fazer com que os personagens interajam com o mundo usando seu corpo e descreve a sensação, isso é tato.

Uma dica que pode ser dada, também, para quem tem dificuldade em utilizar outros sentidos além da visão nos jogos é ir para lugares diferentes (shoppings, parques, florestas, ruas) e fechar os olhos e observar o mundo ao seu redor com os outros sentidos. Tentando guardar essas sensações para poder descrevê-las depois. Pode ser que se descubra que muita coisa passe despercebido pela gente.

Talvez, no entanto, a melhor dica a ser dada é a de se lembrar de usar os outros sentidos sempre que possível. Faça um pequeno cartão e deixe-o em um lugar visível na hora do jogo para lembrá-lo, ou coloque uma mensagem no seu escudo de mestre, ou algo assim. É bem fácil esquecer deles quando jogamos e eles podem fazer toda a diferença.

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Um comentário:

  1. Ótimo post! Cada cena pede sua riqueza em detalhes. Seu texto saiu o comum, esmiuçando a aplicação dos informações sensoriais que os jogadores podem receber.

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