quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Resenha - D&D Basic Rulebook - Um Clássico Old School

Eu estava ocupado soltando a donzela que fora capturada quando o Dragão apareceu. Quinze metros de terror em escamas nos olhava com seus olhos vermelhos de fogo. Nuvens de fumaça escapavam entre seus dentes, grandes como adagas. O Dragão bloqueava a única saída da caverna.

Eu desembrulhei a espada que o misterioso clérigo havia me dado. Sua lâmina era feita de um aço dourado e sua bainha adornada com um coleção de gemas das cores do arco-íris. Eu bradei meu grito de guerra e investi contra a criatura.

Meu ataque pegou o Dragão de surpresa. Suas mandíbulas gigantes se fecharam apenas a alguns centímetros da minha face. Eu empunhei a Espada Dourada com ambos os braços. Sua lâmina penetrou o pescoço do Dragão e continuou até o outro lado. Com um pequeno terremoto, seu corpo caiu aos meus pés. A espada mágica salvara a minha vida e terminara com o reino do Dragão-Tirano. O Reino estava livre e eu poderia retornar como um herói.

Essa é apenas parte de uma narrativa encontrada no início do livro (traduzida livremente por mim), que ajuda o leito a já entrar no clima desse fantástico jogo. D&D Basic Rulebook, de 1981, escrito por Tom Moldvay, foi o primeiro livro do que ficaria conhecido como Basic D&D, já que a edição de 1977 de Eric Holmes foi, na verdade, uma simplificação do Original D&D (1974).

Com o AD&D já nas ruas, a TSR quis fazer um jogo mais simples, capaz de atrair jogadores mais inexperientes, mais jovens, com menos paciência para regras detalhadas.  O sucesso, no entanto, foi estrondoso, e atingiu um público muito mais amplo do que o esperado, fazendo dessa versão uma das mais jogadas de todos os tempos, e aquela que tem mais retro-jogos simulando seu sistema.

Mas vamos falar do seu conteúdo. O Basic Rulebook é um livro introdutório ao mundo dos RPGs e trás tudo o que uma pessoa precisa para começar a jogar (principalmente se adquirido no boxed set em que era vendido na época). São 64 páginas trazendo regras e sugestões para criação de personagens, criação de aventuras, estatísticas de monstros, dicas de criação de masmorras, regras para encontros, combates, tesouros, lista de magias e até uma pequena aventura pronta. Um milagre se considerarmos o tamanho dos livros de regra atuais. Tudo bem que só há regras para personagens até o terceiro nível, mas o planejamento desta edição era de haver três livros: este, o Expert Rulebook (que traria mais coisas, além de regras para personagens até o nível 14), e o Companion Rulebook (com novas regras, novas classes e outras coisas, mas nunca foi lançado, não para essa edição).

Logo no início há um pequeno prefácio com a narrativa que eu traduzi acima intercalada com um pequeno texto do Tom Moldvay falando sobre o D&D, sua primeira versão e esta revisão e simplificação, objetivo do livro. Virando a página, começa a introdução, que tem por objetivo explicar algumas coisas básicas para aqueles que não possuem experiência com o jogo. Fala-se sobre como o jogo parece um livro de fantasia, mas que a história é definida pelos participantes com a ajuda do Dungeon Master. São apresentados vários termos (níveis, encontro, aventura, módulo, grupo) e explicado de maneira geral como funciona o jogo, e como ele é jogado, com o mestre apresentando um mundo fantasioso e os jogadores interagindo com este mundo por meio de seus personagens. No final, há a minha parte favorita, aquela que explica como se ganha em um jogo de RPG: Se divertindo, não importando se os personagens vivem ou morrem, se o vilão é derrotado ou não.

Na parte seguinte, são apresentadas as regras para criação de personagens. É justamente nesta edição que se começou o tratamento das classes não humanas como classes. Até mesmo na versão Basic de Eric Holmes anões, elfos e halfling eram considerados como raça e tinham que escolher classes como humanos (embora sejam extremamente limitados nessa escolha). Como de costume, a criação do personagem começa pela geração dos seis atributos básicos. Aqui, é apresentado apenas um método, o clássico 3d6 em ordem para cada atributo. Isso gera personagens "surpresas" uns mais fortes ou mais fracos do que outros, mas todos desafiando o jogador a criar algo além de números com ele. Mas jogadores chorões não precisam se preocupar, além dos modificadores não serem tão inflados como nas versões mais novas, há uma recomendação para deixar os jogadores re-rolarem os dados de personagens com mais de um atributo com valor entre 3 e 6. Valores altos nos atributos principais das classes rendem pontos de experiência extra no final da aventura, representando o potencial que o personagem tem naquela profissão. No mais os atributos são os mesmo de qualquer versão de D&D, todos limitados até o valor de 18, com modificadores de no máximo +3 ou -3, apenas para valores de 18 e 3 (que são bem raros devido ao método de geração de atributos), mantendo a necessidade de muitos atributos altos longe.

Com isso definido, o jogador pode escolher a classe do personagem, que nessa versão são sete: Fighter (Guerreiro), Cleric (Clérigo), Thief (Ladrão), Magic-User (Mago), Dwarf (Anão), Elf (Elfo), e Halfling. Para cada uma das classes são apresentadas regras para evolução até o terceiro nível, mesmo com cada um tendo a quantidade de pontos de experiência necessários bem distintos (elfos precisariam de 8.000 para alcançar o terceiro nível, enquanto ladrões precisam de apenas 2.400). Isso se deve a diferença de níveis de poder entre as classes. Ao invés de tentar deixar todas as classes com a mesma quantidade de habilidades, as versões antigas optavam por um equilíbrio diferente, ao longo do tempo. Classes que podiam se tornar muito poderosas em níveis altos precisavam de mais experiência para chegar lá. Já as classes que, teoricamente, não se tornariam tão poderosas precisavam de menos experiência. Isso não quer dizer que, em níveis altos, um mago não precisasse de mais ninguém, já que ele ainda seria vulnerável a ataques, com poucos pontos de vida. As quatro classes básicas funcionam como a gente sempre lembrou delas, guerreiros como mestres de combate, clérigos com uma habilidade boa nessa área, reforçado por suas magias de proteção, cura e contra criaturas malignas, ladrões com sua habilidade de combate furtivo, e dezenas de outras utilidades, e Magos sendo bastante frágeis mas com uma lista de magias bem variada que podem ser úteis em quase qualquer situação. Anões são guerreiros com algumas habilidades únicas de sua raça, como infravisão, capacidade de detectar construções de pedra (armadilhas e passagens secretas) e outras coisas. Os Halflings são basicamente guerreiros com algumas habilidades de ladrão, e os Elfos são como Guerreiros-Magos (daí a necessidade de muitos pontos de experiência para passar de nível).

Em seguida, escolhe-se o alinhamento do personagem, que funciona como um guia para interpretá-lo e uma declaração de que lado o personagem luta, no conflito eterno entre o Caos e a Ordem. Mesmo sendo publicado depois do AD&D 1ª edição, essa versão mantém os três alinhamentos básicos: Ordeiro, Caótico e Neutro. A associação entre ordem e o bem, caos e o mal, também estão presentes. Essa parte vem até com um exemplo demonstrando o comportamento de personagens em uma situação hipotética. O grupo estaria encurralado em uma sala por vários monstros. Há uma saída, mas eles só conseguiriam chegar lá se algo atrasasse o avanço das criaturas. Personagens ordeiros lutariam para proteger o grupo e atrasar os monstros, só tentando escapar se todos tentassem fugir. Personagens neutros lutariam contra os monstros até o ponto em que vissem que estaria perigoso demais e tentariam fugir. Personagens Caóticos, no entanto, poderiam lutar ou fugir, dependendo do que fosse mais seguro ou vantajoso para eles naquela situação. Além disso, cada alinhamento confere uma língua específica para o personagem, que só pessoas do seu alinhamento compreendem.


Depois disso, vem a parte da escolha e compra de equipamentos. O livro trás poucas tabelas aqui, apenas com armas, armaduras e equipamento geral (como mochila, óleo, corda). Não há uma descrição de cada objeto, o que eu achei uma pena para um jogo voltado para iniciantes, mas nós que já estamos acostumados com esses objetos, de fato, não precisamos dela. Como regra básica, todas as armas dão 1d6 de dano (como no D&D original), mas é fornecida uma tabela com dano diferenciado por armas, como regra alternativa. As armaduras conferem Classe de Armadura decrescente, e os personagens começam com uma quantidade de ouro igual a 3d6 vezes cem peças de ouro. Por fim, são escolhidos os idiomas falados pelo personagem (dependendo da inteligência, raça, e alinhamento dele). No final há um breve exemplo da criação de um personagem, para ajudar o leitor a compreender como tudo funciona.

A parte seguinte é a de Magias. Logo no início o livro faz uma breve explicação de como as magias funcionam. Fala-se sobre a necessidade de decorar magias, a capacidade limitada de se conjurá-las algumas vezes ao dia (fala-se em aventura, assumindo que as aventuras duram apenas um dia), a possibilidade de uma jogada de proteção aliviar os efeitos de um feitiço, e o formato em que cada um será descrito. Depois disso, segue-se uma pequena lista de magias de clérigos e magos. Como os personagens desse livro vão apenas até o terceiro círculo, e as magias são bastante simplificadas, isso ocupa um pouco menos de quatro páginas.

Em seguida, começam as regras do jogo propriamente ditas, com a parte sobre Aventura. Além das regras propriamente ditas, são dadas dicas e conselhos de como conduzir o jogo. Fala-se sobre a composição e organização de um grupo de aventureiros (como funciona dentro e fora do jogo). O livro sugere alguns papei para os jogadores, como o "Caller", responsável por relatar as ações de todos os personagens ao DM (os grupos na época chegavam a ter até 10 jogadores e podia ficar bem caótico com todos falando ao mesmo tempo), e o "Mapper", que desenhava o mapa da masmorra de acordo com  a descrição do mestre. Aqui aparecem regras bem simples para contagem de tempo (turno de 10 minutos e rodadas de 10 segundos), movimentação (por turno e por segundo), necessidade de descanso, uso de miniaturas (opcional), carga (com uma regra bem simplificada), iluminação e visão no escuro, abertura de portas, portas secretas e portas fechadas, seguidores e contratados (inclusive regra para lealdade e moral dos mesmos, e sua evolução). Por fim, são apresentadas regras para armadilhas, sua ativação, localização e desarmação, e distribuição de experiência, que no D&D Basic se dá por tesouros recuperados, e monstros derrotados (mas não necessariamente mortos, podendo ser enganados, afugentados e outras coisas).

Depois vem a parte dos encontros propriamente ditos, e dos combates. Nessa versão, quando um grupo de aventureiros encontrava uma criatura (seja monstro, NPC, ou o que fosse), geralmente, o mestre (ou os dados quando este não tivesse uma clara decisão quanto a isso) determinava se um grupo ou outro estava surpreso e não percebera a outra parte. Após isso, dependendo de como se encontraram ou se revelaram, uma reação inicial era determinada por meio dos dados e do carisma do personagem interlocutor, e, dependendo do caso, o encontro poderia ser amigável, neutro, tenso, ou bastante hostil. Era de interesse do grupo não hostilizar todo monstro que encontrasse, caso contrário acabariam com seus recursos rapidamente e correriam sérios riscos de vida. Assim, cabia aos jogadores terem ideias e negociarem com as criaturas para obter o que queriam. Caso tudo isso falha-se, restava a fuga ou o combate, ambos tratados nesse capítulo.

O que se segue, então, é a explicação das regras de combate, passo-a-passo, falando desde a determinação de surpresa, iniciativa, movimento no combate, jogadas de ataque, dano, cobertura contra ataques, uso de óleo, fogo, água-benta, o papel das jogadas de proteção como meios de determinar se um ataque especial atinge completamente ou não um personagem, o uso da moral para saber se as criaturas lutam até a morte, fogem, se rendem ou tomam alguma outra ação, e outros detalhes. Tudo isso é explicado com uma série de pequenos exemplos em cada item e, no final, com a narrativa de um combate por inteiro, uma excelente ajuda para jogadores iniciantes.

A parte de Monstros vem depois. Nesse livro básico são apresentados mais de 100 monstros, come estatísticas e descrições completas, mas simples, para fácil referência. O livro explica cada um dos termos utilizados, os tipos de ataques especiais que eles possuem (paralisia, baforada, dreno de energia, ácido). Há vários monstros, de vários níveis, desde acólitos, gorilas albinos, dragões, médiuns, homens das cavernas, thouls (trolls carniçais), e outras criaturas estranhas.

Seguindo, o livro trás a parte dos Tesouros, com tabelas de geração diferenciada por tipo de tesouro por criatura, tabelas para gemas, jóias, e, é claro, itens mágicos. É legal notar como esses objetos eram retratados de forma mais simples, com menos bônus e lista de poderes e detalhes. Armas +3 eram uma coisa extremamente rara e poderosa. A maioria dos itens mágicos eram mais descritivos do que detalhados mecanicamente, funcionando mais como formas de se quebrar as regras do jogo, do que criando novos poderes e regras. Pra quem sente falta dos itens amaldiçoados que desapareceram nas recentes encarnações do jogo, eles estão lá, desde o princípio.

A oitava parte do livro é dedicada ao Dungeon Master, e trás dicas e informações para criação de aventuras, com um foco em masmorras, principalmente. Essa seção funciona como um guia bem legal e simples para quem quer aprender a criar aventuras baseadas em masmorras, com armadilhas, criaturas especiais, tesouros escondidos, e elementos estranhos. Moldvay era um fã da literatura de fantasia pulp, e já nessa parte podemos ver uma influência dessas histórias. Há exemplos de motivos para explorar masmorras, tipos de masmorras diferentes, armadilhas para aposentos e tesouros, elementos especiais e estranhos, e várias coisas. Tudo isso complementado com um passo-a-passo da criação de uma pequena masmorra (um forte) que pode ser expandido ou usado como está pelo mestre do jogo.

No final, ainda há um exemplo de jogo de um grupo explorando uma masmorra e interagindo com o narrador e o ambiente, e encontrando monstros. É uma boa passagem que já ajuda a sentir como o jogo, como um todo, flui e se completa. Ainda, tem uma parte intitulada "A fina arte de ser Dungeon Master" com uma série de dicas e conselhos sobre como conduzir o jogo, diminuir conflitos que por ventura possam ser criados, acabar com a ideia de que o mestre joga contra os jogadores, e outras situações comuns que mestres inexperientes, ou mesmo experientes, poderiam se beneficiar de aluns conselhos. Há dicas bem legais, algumas até que eu já dei aqui no blog, como não descrever os monstros simplesmente com o nome deles, como aumentar a tensão no jogo, como lidar com ataques surpresas e outras coisas.

Assim como o Dungeon Master Guide do AD&D 1ª edição, essa versão vem com uma lista de livros que inspiraram os criadores e que podem (e devem) ser usados como inspiração e referência para o jogo, seja para entender como ele foi criado, seja para criar coisas novas, como monstros, magias e aventuras. Por último, há um pequeno glossário para rápida conferência de termos e nomenclaturas usadas no livro.

D&D Basic Rulebook é, sem dúvida, uma das versões mais legais de Dungeons & Dragons. É um livro pequeno, bem simples, com leitura fácil, ilustrações excelentes, com bastante material e capaz de fazer um iniciante começar a jogar em pouco tempo. Se tivesse que dar uma nota a esse livro, eu daria 9,5. Ele é praticamente perfeito, mas a completude do jogo necessita do D&D Expert Rulebook (que acabou de sair em PDF também). Quem ficou com vontade de ter esse clássico, ele está a venda por US$ 4,99 no loja do DnDClassics.

Agora, quem quiser jogar uma sessão de D&D Basic, com uma aventura clássica escrita pelo próprio Moldvay, é só ir no Saia da Masmorra de fevereiro, dia 16, lá na Point HQ de Ipanema (Rio de Janeiro). Vou estar lá, com minha caixinha do D&D Basic, fichas personalizadas e vários dados para rolarmos.

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6 comentários:

  1. este livro é um classico, com certeza! nao é a toa q muitos jogadores gostam desta versao.
    a versao de mentzer teve muuuuito mais vendas, mas tb, visava um publico leigo em jogos de maneira geral, coisa q o basico de Moldvay nao se preocupava

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  2. Gostaria muito que fossem relançados também a versão do Mentzer, achava muito legal a arte dessa versão, pra mim a melhor que o D&D ja teve.

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  3. Uma das minhas edições favoritas. Adoro a simplicidade e a forma que muitas descrições são dadas diretamente, sobrando ainda espaço para vários exemplos legais e dicas clássicas para mestres. Além é claro do nível ser limitado ao 14 (sempre limitei o nível das minhas mesas de D&D 3.5 hehe).

    Só fico com uma duvida, que ocorre tanto na B/X quanto na BECMI. Não sei se é erro de game design, mas porque o Ladrão iniciante, segundo seus talentos, tem menos chance que qualquer outro personagem de encontrar armadilhas? (sendo que pelo que vejo nos exemplos dos livros, o Ladrão rola seu talento, e os outros o d6)

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    1. Bem, na verdade, no Expert Set, a habilidade é referida apenas como "remove traps", provavelmente indicando que a chance de achar é a mesma para qualquer personagem. Isso se ele não descrever tão bem a sua busca a ponto de não ter como ele não achar a armadilha, né?

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  4. Diogo, a versão B/X é a mesmo da Rules Cyclopedia?

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    1. Opa, nunca respondi, desculpe. Na verdade não. A do Rules Cyclopedia mais se aproxima da BECMI, que é uma revisão e expansão da B/X. Mas são bem compatíveis.

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